Em dezembro, 10, de 2021, eu assisti na câmara Municipal de Santos/SP, emocionado, a entrega do título de cidadão Emérito da cidade de Santos/SP ao ex-deputado constituinte e ex-prefeito de São Vicente Koyu Ilha. A feliz iniciativa foi do vereador Cacá Teixeira. Foi uma honra, um privilégio, um orgulho e a oportunidade de render-lhe um tributo, tardio, representando (sem mandato) o chamado “movimento negro” da década de 1980 da baixada santista.
Se o leitor não o conhece cabe-me esclarecer que estou falando de um orgulho dos vicentinos da velha geração. Prefeito de São Vicente de 1977 a 1981, renunciou (quando o governo militar federal ampliou em dois anos os mandatos de prefeitos e vereadores de todo o país, cancelando as eleições), não sem antes pavimentar ruas em vários bairros da cidade de São Vicente com pedras sextavadas, (que foram sua marca), lançar as bases para a urbanização do que conhecemos hoje como área continental. O próprio Koyu chegou a afirmar ter multiplicado por dez o que havia sido asfaltado em São Vicente de Martin Afonso até sua posse.
Detentor de grande prestigio na Assembleia Legislativa e Governo do Estado articulou a nomeação da Ponte do Mar Pequeno (como é conhecida até hoje) em homenagem ao vicentino, eleito Prefeito de Santos e impedido de assumir pelo regime militar líder negro, jornalista, despachante aduaneiro, advogado como Ponte Esmeraldo Soares Tarquinio de Campos Filho, morto em 1982.
A década de 1980 foi difícil como as décadas anteriores, mas, também foram tempos gloriosos para a sociedade brasileira. Lutando contra a invisibilidade da pessoa negra e a negação do racismo sistêmico nacional, muita gente boa levantou a bandeira da questão racial, ao mesmo tempo em que exigia democracia e cidadania para todos. A festejada redemocratização do Brasil e o pluripartidarismo, no entanto, capturaram os debates e as ações pela efetiva inclusão de minorias ficaram em segundo plano, de sorte, que ainda hoje todas as chapas de candidaturas à cargos de chefes do executivo divulgam o que chamamos de “fotos brancas” de maioria masculina com aparência europeia.
Os chamados “movimentos democráticos” do período pós governos militares e antes da Constituição de 1988, eram recheados de grupos de “minorias” que tinham suas agendas incorporadas embora mascaradas nas expressões do tipo “participação”, “inclusão”, mas sempre do mesmo lado da História, o da igualdade entre os brasileiros. Foi assim que, sem voz, o movimento negro estava presente na vigília pela emenda Dante de Oliveira, na porta da faculdade católica de direito de Santos, noite de 25 de abril de 1984 em evento patrocinado pelo “Alexandre de Gusmão” quando ainda era Diretório Acadêmico e o Governador Marcio França era seu presidente.
Ofício de apresentação da diretoria do D.A. Alexandre de Gusmão, expedida em 1983.
Da mesma maneira que a militância negra de diversas cidades do Estado de São Paulo panfletou, na periferia da cidade de Santos, quando da retomada da autonomia, em 1984, para divulgar o singelo fato de que aquele menino que constava como vice em determinada chapa de candidato para prefeitura era “filho do Homem”. Em virada silenciosa, o candidato Lara considerado favorito (até a véspera) perdeu as eleições de 03 de junho de 1984, para a chapa do menino: O filho do Homem. Trabalho oculto eficiente e nunca reconhecido.
O grande momento do movimento negro só viria poucos anos mais tarde e coincidiu com o grande momento da democracia brasileira. Em 1986 o Presidente Sarney indicou 49 nomes de brasileiros para compor uma comissão constituinte provisória sem nenhuma pessoa negra. Então, em paradoxo, a invisibilidade da população negra foi exposta, escancarando a necessidade de inclusão destes brasileiros à cidadania.
A negativa repercussão internacional nos permitiu acrescentar à Comissão Provisória de Estudos Constitucionais do Presidente Sarney, o Prof. Hélio Santos, o quinquagésimo notável, intelectual, professor da PUC, militante do movimento negro. É certo que, depois, em São Paulo, não conseguimos transformá-lo em deputado constituinte pelo voto popular, mas, em contrapartida, em outras unidades da federação, elegemos nomes como Carlos Alberto Caó, Abdias Nascimento, Benedita da Silva e outros. Nacionalmente o debate sobre a inclusão da metade esquecida da população brasileira ganhou espaço.
Na baixada santista, a Associação Palmares, o Coletivo de Mulheres Negras de Alzira Rufino e outras militantes, a Academia de Capoeira Senzala do Mestre Sombra, a Casa de Cultura de São Vicente do saudoso líder Diogo juntamente com praticantes de religiões de matriz africana e diversas outras entidades e militantes construíram propostas de artigos constitucionais que foram encaminhadas pelo, então, deputado constituinte Koyu Ilha.
http://memoria.bn.gov.br/DocReader/896179/124909
Quando o deputado nos apresentou o protocolo de nossas propostas junto à Comissão de Sistematização da Assembleia Nacional Constituinte, duvido que algum de nós tenha vivido momento mais emocionante em suas vidas públicas. A emoção de constatar aquele protocolo é a emoção da participação e da percepção de que tínhamos voz. Este foi momento que não foi superado nem mesmo pela constatação de que nossas ideias efetivamente estavam lá, perpetuadas no artigo 5.º. Neste ando de 2022 em que voltamos à reflexão anual sobre o 13 de maio é preciso não esquecer de quem nos ajudou na caminhada. Obrigado Deputado Constituinte Koyu Ilha.
José Roberto Sagrado da Hora
Janeiro de 2022.